Como fazer uma boa confissão (quando uma confissão é inválida?)
Trechos abaixo retirado do livro "Escola da perfeição cristã" do santo doutor Santo Afonso de Ligório.
"Por sacramento da penitência entende-se aquele pelo qual são perdoados
em virtude da absolvição do sacerdote, os pecados cometidos depois do
batismo, ao que os confessa ao sacerdote, visto Jesus Cristo haver-lhe
concedido esse poder, pelas palavras: "Aos que perdoardes os pecados, ser-lhe-ão perdoados e aos que os retiverdes, ser-lhes-ão retidos" (Jo 20,23).
Por isso o Concílio de Trento lança a excomunhão aos que afirmarem não
possuir este sacramento a virtude de perdoar os pecados. (...)
II. Do exame de consciência, da contrição e do propósito
É notório que três coisas devem preceder a acusação dos pecados na
confissão: o exame de consciência, o arrependimento e o bom propósito.
1) Quem recebe frequentemente os santos sacramentos, não precisa quebrar
a cabeça com o exame de todos os requisitos e miudezas a respeito dos
pecados veniais. Muito mais desejaria eu que se aplicasse em descobrir
as causas e a raiz de suas más inclinações e tibieza. Isso vale para os
que vão se confessar por costume, tendo a cabeça cheia de preocupações
mundanas, nada mais fazendo que repetir mil vezes as mesmas faltas, como
se fossem um realejo, sem pensar seriamente em arrependimento e emenda.
O exame de consciência não exige muito tempo de pessoas espirituais, que se confessam a miúdo e se guardam dos pecados veniais deliberados. Essas não tem necessidade de examinar sua consciência a respeito de pecados mortais, pois se os tivessem cometido teriam disso consciência, e, quanto aos veniais, se foram feitos com plena advertência, os remorsos os denunciariam claramente. Não se está também propriamente obrigado a confessar todos os pecados veniais que se tem na consciência e, por isso, não há motivo para se fazer uma inquirição exata a respeito deles, e muito menos a respeito de seu número, circunstâncias e por que foram cometidos. Basta revelar os que mais inquietam a consciência e mais se opõem à perfeição; dos outros, faz-se uma acusação geral.
No caso de não se encontrar nada que possa servir de matéria para a
confissão, acusa-se algum pecado da vida passada que mais nos pesa,
dizendo-se, por exemplo: eu me acuso em especial de todos os pecados que
cometi no passado contra a caridade, contra a santa pureza, contra a
obediência devida, etc.
Mui consoladoras, são as palavras de S. Francisco de Sales a esse
respeito: 'Não vos inquieteis se não vos lembrardes de todas as vossas
pequenas faltas na acusação sacramental, pois assim como muitas vezes
caís sem perceber, também vos reergueis sem dar por isso, por atos de
amor e de outros atos que almas fervorosas costumam fazer.'
2) Em segundo lugar, para se alcançar a remissão dos pecados, requer-se arrependimento e dor. A contrição é tão necessária que Deus, sem ela, não nos pode perdoar os pecados. Não é coisa absolutamente impossível salvar-se uma pessoa sem haver examinado sua consciência e confessado seus pecados, por exemplo, em artigo de morte, fazendo um ato de contrição perfeita, não tendo tempo ou não achando um padre para se confessar; mas é simplesmente impossível que alguém se salve sem arrependimento de seus pecados.
Para que o arrependimento nos traga a remissão dos pecados, é preciso ter as seguintes propriedades:
a) Deve ser verdadeira ou interna, isto é, provir do coração e não só da
boca; b) sobrenatural, devendo proceder de um motivo sobrenatural, como
por exemplo, da fealdade do pecado, de havermos merecido o inferno e
perdido o céu, de termos ofendido a bondade infinita de Deus; c)
soberana, quer dizer, devemos nos desgostar mais da ofensa de Deus que
de qualquer outro mal; d) universal, a saber, deve se estender a todos
os pecados, de tal forma que não haja pecado que não se deteste mais que
qualquer outro mal; e) confiante, isto é, inseparável da esperança do
perdão.
Isso se refere unicamente aos pecados mortais; quanto aos veniais, não é
preciso que o arrependimento se estenda a todos, visto que cada pecado
venial detestado sinceramente pode ser perdoado independentemente dos
outros. De resto, nenhum pecado, quer mortal, quer venial, pode ser
perdoado sem arrependimento sincero, de nossa parte. Daí se segue que
quem se acusar de pecados veniais, sem ter arrependimento, faz uma
confissão inválida, e, por isso se quiser a absolvição deverá se
arrepender sinceramente, ao menos de um destes pecados ou então,
confessar-se de algum pecado da vida passada, de que sente verdadeira
dor.
As confissões longas não são as melhores, mas as que são feitas com
maior contrição. O sinal de uma boa confissão, diz S. Gregório, não está
no grande número de palavras do penitente, mas no arrependimento com
que se confessa. Os que se confessam muitas vezes e detestam também os
pecados veniais, devem repelir toda a dúvida se tiveram ou não
verdadeiro arrependimento. Alguns, se afligem por não perceber seu
arrependimento; desejariam que suas confissões fossem acompanhadas de
lágrimas de comoção e, não podendo conseguir isso, apesar de todos os
esforços ficam desassossegados quanto ao valor de suas confissões. Estas
almas devem se persuadir de que a contrição não é coisa do sentimento,
mas da vontade; todo o valor e mérito da virtude está na vontade; por
isso diz S. Tomás, a respeito da contrição: "A dor que se requer para a
confissão consiste essencialmente na detestação dos pecados cometidos, e
essa dor não está no sentimento, mas na vontade".
A dor sensível não está sempre em nosso poder, porque a parte inferior
ou sensitiva da nossa alma não segue nem obedece sempre à superior.
Logo, a confissão está bem feita, se a vontade experimenta mais desgosto
dos pecados cometidos que de qualquer outro mal. (...)
Para tranquilizar almas angustiadas que julgam haver feito sempre
confissões inválidas por falta de contrição, queria expor ainda a
diferença que existe entre contrição perfeita e imperfeita.
A contrição perfeita é uma dor dos pecados cometidos, que se sente, em
razão da ofensa feita a Deus. A contrição imperfeita, também chamada
atrição, é uma dor dos pecados que se experimenta por causa do dano que
daí resulta para nós.
Pela contrição perfeita adquire-se, no mesmo instante, a graça de Deus,
mesmo antes da absolvição do confessor, suposto que se tenha a intenção
de receber, quanto antes, o sacramento da penitência. Esta é a doutrina
do Concílio de Trento.
Os teólogos dizem que a contrição perfeita é um ato formal de caridade
para com Deus, pois que quem tem contrição perfeita sente-se levado a
detestar os pecados pelo amor de Deus, o Sumo bem.
Ora, Gregório XIII condenou a proposição de Miguel Bajo, que afirmava
que o amor de Deus não pode coexistir com o pecado. Bajo falava de amor
que é a plenitude da lei, segundo S. Paulo (Rom 13,10). Este é aquele
amor predominante, pelo qual se ama a Deus sobre todas as coisas, pois,
precisamente quando assim amamos a Deus, cumprimos a lei de Jesus
Cristo, que diz: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração.
De resto, acham-se na Sagrada Escritura vários textos que asseguram que
Nosso Senhor ama aqueles que o amam. 'Eu amo os que me amam' (Prov
8,17). 'Quem me ama, será amado por meu Pai, e também eu o amarei' (Jo
14,21). 'Quem permanece na caridade, permanece em Deus e Deus nele' (1
Jo 4,16). 'A caridade cobre a multidão dos pecados' (1 Ped 4,8).
Destes textos deduz-se que todo o ato de contrição perfeita (que é um
ato de amor perfeito, como foi dito), ainda que seja fraco, apaga todos
os pecados mortais.
S. Tomás afirma claramente, a contrição por menor que seja, contanto que
seja verdadeiramente perfeita, apaga toda a culpa. Pela contrição
imperfeita, porém, não se alcança, sem a absolvição, a graça divina.
Assim o Tridentino: 'Ainda que a contrição imperfeita, não produza a
justificação sem o sacramento, contudo, ela o prepara para a aquisição
da graça de Deus no sacramento da penitência'. Quanto ao amor que deve
acompanhar a atrição, não se sequer que seja predominante, mas basta que
seja inicial, isto é, um começo de amor, como, por exemplo, o temor das
penas do inferno. "O temor de Deus é o começo do amor", diz o sábio
(Ecli 25,16). Um começo de amor é também o propósito de não querer
ofender mais a Deus, a esperança do perdão e da aquisição dos bens
eternos, que Deus prometeu ao penitente. É o que ensina S. Tomás
dizendo: 'Começamos a amar alguém logo que dele esperamos algum bem. Por
isso fazemos bem se, quando nos confessamos, ajuntarmos ao ato de
contrição um ato de esperança de obtermos o perdão dos nossos pecados
pelos merecimentos de Jesus Cristo. Assim seguiremos o conselho do
Tridentino, que nos diz que o penitente se deverá preparar pela
esperança a alcançar o perdão de Deus.
Se a atrição basta para uma boa confissão, por que receias então, alma
cristã, terem sido inválidas as tuas confissões? Note-se, contudo, o
seguinte:
a) Não basta para a atrição o temor das penas temporais que Deus inflige
aos pecadores já nesta vida, pois, segundo os teólogos, como é terna a
pena do pecado mortal, o motivo da atrição deve ser também o temor das
penas eternas.
b) Também não basta a dor oriunda de haver merecido o inferno, requer-se
o arrependimento de se haver ofendido a Deus, merecendo por isso o
inferno.
c) A atrição deve ser acompanhada da esperança do perdão, assim como da
vontade de não pecar mais, de maneira que, se alguém se arrependesse de
seus pecados por causa de haver merecido o inferno, não querendo, porém,
deixar de pecar, essa atrição de nada lhe serviria, antes o tornaria
digno de castigo por sua má vontade.
A contrição imperfeita se excita da seguinte maneira. Ó meu Deus, visto
que por meus pecados perdi o céu e mereci o inferno por toda a
eternidade, arrependo-me, mais do que de qualquer outro mal, de vos
haver ofendido. Contrição perfeita seria: Meu Deus, por que sois o sumo
bem, infinitamente perfeito, amo-vos sobre todas as coisas e, porque vos
amo, me arrependo, de todo coração de toda a ofensa contra vós
cometida, meu soberano Senhor. Meu Deus, nunca mais quero pecar; sim
prefiro mil vezes morrer a novamente ofender-vos.
Depois de haver feito com coração sincero o ato de contrição, deves
receber sem receio nem escrúpulos a santa absolvição. Para expelir toda a
inquietação de consciência, S. Teresa indica um outro sinal seguro de
contrição: 'Vê se estás verdadeiramente resolvido a não mais cometer os
pecados de que te confessaste, e se tiveres esse propósito, não há
motivo para duvidares da verdadeira contrição'.
3) Em terceiro lugar, para uma boa confissão, requer-se o propósito de
não pecar mais. Este propósito deve ser firme, universal e eficaz.
a) Firme. Alguns dizem: Eu desejaria não cometer mais este pecado;
desejaria não ofender mais a Deus. - Esse desejaria mostra claramente
que tal propósito não é firme. Para que seja firme, deve-se
verdadeiramente estar resolvido a dizer: Não quero mais cometer este
pecado; não quero mais ofender a Deus.
b) Universal. Deve-se tomar a resolução de evitar todos os pecados, sem
nenhuma exceção, o que se entende, contudo, só dos pecados mortais,
pois, quanto aos veniais, se o arrependimento e propósito se estendem só
a um ou outro, a confissão por isso, não deixa de ser válida. Almas
porém, que tendem a maior perfeição, devem resolver-se a evitar também
todos os pecados veniais deliberados. Quanto aos indeliberados, visto
ser impossível evitá-los todos basta que se esteja resolvido a
precaver-se contra eles tanto quanto possível.
c) Eficaz. Deve-se propor empregar os meios necessários para se não
cometer mais os pecados de que se acusa; em particular deve estar
resolvido a evitar a ocasião próxima da reincidência no pecado. Se se
trata de pecados mortais, não basta o simples propósito de evitá-los,
deve-se também ter a séria vontade de fugir da ocasião próxima do
pecado. Sem isso, todas as confissões serão inválidas ainda que se
receba mil vezes a absolvição, pois já é em si um pecado mortal não
querer remover a ocasião próxima do pecado.
Talvez me diga alguém: Se despachar aquela pessoa, se romper com aquelas
relações familiares dará na vista e causará escândalo: todos farão suas
observações a esse respeito. - Respondo: Darás verdadeiramente
escândalo se não puseres termo a essa ocasião; todos já estão inteirados
de tuas relações e, se em tua presença não tocam nisto, podem estar
certo que pensam e falam entre si de maneira bem clara. - Mas despedir
tal pessoa seria descortesia e mesmo ingratidão: ela ajuda-me, presta-me
serviços e socorre-me. - Para que te ajuda ela? Para te afastares de
Deus e levares uma vida desgraçada aqui na terra? Antes de tudo devemos
ser corteses e gratos para com Deus, que é um Senhor de infinita
majestade e de quem recebemos benefícios inumeráveis.
Escola da Perfeição Cristã - Santo Afonso de Ligório.
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